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AINDA ESTOU AQUI: MEMÓRIAS DE UMA MENINA DO RIO

Foto do escritor: CARLA KIRILOSCARLA KIRILOS

Assistir ao excelente filme “Ainda Estou Aqui” foi como abrir um baú de memórias. Com uma direção de fotografia que nos faz mergulhar no período histórico que retrata, junto a uma trilha sonora que mescla picos de ânimo e silêncios profundos, "Ainda Estou Aqui" é um filme para todos que não têm medo de se conectar às suas histórias, memórias e dores profundas. Fico extremamente emocionada ao ver a repercussão nacional e internacional deste filme. Todos nós ganhamos, pois abrimos uma brecha importante para falar sobre esse tema em nossas casas, escolas e em todos os espaços para um bom papo. Espero que esse momento não seja passageiro e haja o interesse e vontade política de trazer à tona histórias ainda não contadas. Infelizmente, a ditadura civil-militar ainda paira por aqui.


A história, que explora as nuances do luto e da superação, me levou de volta aos meus 10 anos, quando eu vivia no Rio de Janeiro. Era a década de 70, tempos de ditadura militar. Mas, para mim, o mundo era um mosaico de descobertas, com tons ora vibrantes, ora sombrios.


O filme retrata a dor da ausência e a força do amor que sobrevive ao tempo, algo que se conecta profundamente à vida cotidiana daquela época. Embora as questões políticas fossem uma realidade constante, a vida no meu bairro parecia caminhar com sua própria lógica.


Na rua, tudo parecia seguir indiferente às sombras políticas e aos caminhões cheios de soldados que frequentemente cortavam as ruas do bairro. Íamos para a escola, fazíamos dever de casa, brincávamos de amarelinha, curtíamos a praia, jogávamos bola, soltávamos pipa e tomávamos sorvete ao entardecer. Era um mundo cheio de cores e sons, mas, ao fundo, o silêncio das ausências. Um vizinho, ou, no meu caso, meu padrinho, que "viajou" e nunca mais voltou, um professor que deixava escapar comentários que eu só viria a entender muitos anos depois. Mesmo assim, o cotidiano resistia. Como no filme, onde a dor da perda misteriosa convive com a força para seguir em frente, também éramos sustentados pelo desejo de viver e aproveitar o presente, mesmo que ao fundo pairasse a sombra do desconhecido.


Meu pai, sempre muito atento aos noticiários, fazia questão de conversar comigo, a filha mais velha, sobre os rumos do país. Ele acreditava que eu deveria enxergar além da minha infância despreocupada, sem perder a capacidade de sonhar. Mamãe, por sua vez, amava costurar ouvindo o rádio e, com suas mãos hábeis, ela transformava tecidos em verdadeiras obras de arte, mostrando que criar beleza era uma forma de resistência.


Uma cena marcante do filme mostra que o luto não é o fim, mas um recomeço. Isso me lembra como minha família lidava com as dificuldades. Papai e mamãe nunca permitiram que a dureza do tempo nos roubasse a esperança. Eles nos ensinaram a enfrentar os desafios com coragem, a encontrar liberdade mesmo em tempos de opressão. Como diz a Bíblia: "Ora, o Senhor é o Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade." (2 Coríntios 3:17).


Após assistir ao filme e revisitando essas memórias, percebo que há um paralelo entre a resiliência dos personagens e a força das famílias comuns daquela época. Assim como eles encontraram um caminho para seguir em frente, minha família construiu um legado de fé, amor, resistência e superação que carrego comigo até hoje.


Ainda estou aqui. Apesar dos tempos difíceis, das ausências que machucam, das mudanças que moldam. Ainda estou aqui, porque cada fragmento da minha história — as conversas com meu pai, o olhar criativo da minha mãe, os dias ensolarados no bairro, a escola — foi uma lição de resistência. Ainda estou aqui, porque há uma força que nos faz continuar, que transcende os desafios e nos torna quem somos. Ainda estou aqui e creio que jamais poderemos voltar a viver tempos como aquele. Ainda estou aqui, mas não sou mais aquela menina de 10 anos. Sou a mulher que traz em si as marcas de um tempo de dualidades: repressão e liberdade, ausências e reencontros, silêncios e conversas cheias de significado. Quando o vento sopra, trazendo o cheiro do mar, sinto-me como o personagem que reencontra a si mesmo — em paz com o passado e pronta para abraçar o que ainda está por vir. Sorrio. Porque o Rio da minha infância ainda vive em mim e gosto disso.


Enquanto estiver aqui, continuarei vivendo e contando as histórias que o tempo não apaga, as histórias que fazem de mim quem eu sou.


E, como estamos em dezembro, tempo de celebração e renascimento, não posso deixar de desejar a todos os queridos leitores um Natal cheio de paz e um Ano Novo abençoado. Sem esquecer de parabenizar o Blog Bendita Existência pelo aniversário de 5 anos. Saúde e vida longa!





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6 Comments

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Guest
Dec 05, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Carla, mais uma vez um texto delicioso de ler! Incrível como sinto emoção verdadeira quando leio o que você escreve. Parabéns! Feliz Natal e um Feliz 2024! Lúcia Maria

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Guest
Dec 03, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Que alegria ler “Enquanto estiver aqui, continuarei vivendo e contando as histórias que o tempo não apaga, as histórias que fazem de mim quem eu sou.” Não pare! Será que você tem ideia de quanto seus textos são enriquecedores? Beijocas, Ana

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Guest
Dec 03, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Carlinha, que texto incrível! Também gostei muito do filme e, ao ler o artigo, é fácil entender seus sentimentos. Parabéns! Roberta

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Jefferson Lima
Jefferson Lima
Dec 03, 2024

É a resignificação da própria história, o gosto bom das lembranças felizes e um motivo a mais para acreditar e seguir em frente. O florescer da vida a depender da semente que espalhamos no estradar. Belo texto!

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Guest
Dec 03, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Amei! Ainda estamos aqui apesar de tudo. Ditadura nunca mais! Sou a Lívia.💋

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