top of page
Blogs.png
Buscar

EU ME LEMBRO DE VOCÊ - CAPÍTULO III

Foto do escritor: DIDI ANDRADEDIDI ANDRADE

Ao Meu Velho Rabugento, Eu Dedico toda a Minha Compreensão - Parte 2 / 3


Após a horrenda noite em que quase fui morto por um Velho Maníaco, nunca mais ousei aparecer novamente perto daquele armazém.


Afinal, quase perder a vida já me parecia ser o suficiente. Embora irritar aquele Velho Rabugento tenha se tornando um grande lazer em meu dia a dia, aquele evento me assustou tanto, que meu pelo se arrepiava ao ponto de não abaixar - mesmo com grossas lambidas - por um irritante e longo período de tempo.

Até os banhos de sol, - mesmo meus preciosos banhos de sol - não se viam livres de tal tortura. Eu havia adquirido o desprezível costume de apreciar e desfrutar do astro, enquanto mordiscava um naco de carne roubado do armazém, porém agora, pensar neles me faria lembrar daquela noite fatídica, o que deixaria minhas patas e meu peito tão terrivelmente gelados, que sol nenhum poderia aquecê-los.


Embora a comida ali fosse abundante, incompreensivelmente, eu me sentia incomodado demais.


Cheguei até mesmo cogitar em mudar meu território novamente - voltar a vagar - já que meu atual local se tornara tão terrivelmente desconfortável.


Aquele evento foi como a pior ferroada que já levei. Não por ter me acordado para a realidade de, de fato, realmente quase ter sido morto pelo Velho Rabugento, mas sim porque parecia ser um espinho terrivelmente doloroso, grudado no fundo de minha pele, cravado na carne do meu orgulho.


Sim, orgulho. Porque, embora, de fato, houvesse sim uma dor fantasma que eu era incapaz de entender, o ferimento de meu ego me era mais facilmente compreendido. Como um simples jovem gato poderia entender sentimentos tão complexos?


Eu não queria ver aquele Velho como algo especial.

Mas, mesmo com meu orgulho ferido, mesmo desejando me aproximar do quarteirão do armazém, eu não consegui.


Eu queria.


Mas não queria.


Eu tinha certeza de que meu desejo de me aproximar não tinha nada a ver com a comida. Embora, a deliciosa carne roubada de fato me fizesse falta ao ponto de salivar, ainda não era relevante para a minha sobrevivência ali. Eu sempre poderia roubar de outros armazéns ou caçar um dos milhares de ratos que infestavam meu território para comer.


E também me recusava a assumir que no final, sentia um pouco de falta de atormentar aquele humano asqueroso.


Frequentemente, eu me perguntava se era curiosidade, uma curiosidade repugnante de saber se aquele Homem Velho, de repente, teria morrido ou não de alguma doença humana - seu castigo por ousar tentar me matar - Ou então o arrependimento de finalmente permitir que o velho tivesse uma noite de sono adequada.


Mas, fossem os impulsos de raiva, fossem os estranhos ataques de curiosidades melancólicas, que me faziam parar à beira da rua, eu ainda me recusei a atravessá-la e aproximar mais do que um quarteirão.


Bem, gatos são decididos assim.

No final, eu não fui embora de meu território.


Por meia rotação da lua, eu vivi dessa maneira, atormentado.


Até o dia após a décima quarta noite depois do incidente, quando me deparei com um Jovem Humano estranho.


Estranho de muitas maneiras, eu diria. Ele começou a procurar pelo bairro sete dias antes de finalmente me encontrar. Independentemente de seu humor anterior, - na maioria das vezes alegre como um girassol - o Homem sempre se cercava por um estranho ar pegajoso e uma voz doce toda vez que me via, ao ponto que eu mal resistia à vontade de sair correndo em disparada ou ameaçá-lo para uma briga.


Eu gosto de girassóis, - seu bom gosto em buscar o sol é admirável - mas isso não significa admirar o Homem também. Na verdade, eu pensava que um arranhão poderia fazer aquele humano voltar ao juízo.


Mesmo que nunca tenha funcionado.

De qualquer maneira, na primeira vez que o vi, apenas seu sorriso doce já me foi o suficiente para me fazer fugir dele coberto de calafrios.


Após me encontrar naquele dia, o Jovem Humano pareceu ter adquirido a habilidade de sempre me encontrar, não importasse o telhado que eu usasse para dormir ao sol. Ele lentamente foi descobrindo meus lugares favoritos em meu próprio território, e sempre irritantemente, aparecia nos momentos mais inoportunos.


– Oh! Eu finalmente te encontrei! – Ele dizia quando me acordava, ou arruinava minha caçada. – Como você está hoje?


Claro, eu não dignava àquele homem estranho um único olhar.


Ele era tão bizarro quanto o pai, embora não fosse rabugento.


Sim, eu tinha identificado aquele homem como o jovem humano que salvou a minha vida naquela noite. O pobre azarado que levou a paulada no meu lugar.


Bem, no final eu nunca fui um gato ingrato, quando finalmente me acostumei ao seu olhar ardente e ar suave, desde que ele mantivesse uma distância digna mínima, eu não me daria ao trabalho de gastar minha energia, fugindo dele.


Se ele gostava da minha presença, permiti-lo sentar perto de mim na rua não faria mal a ninguém.


Ele era um bom Humano, no final. Embora fosse pegajoso, sua voz e seu calor ainda foram capazes de me tocar. Era raro encontrar um humano bondoso assim, principalmente para outros animais recém-conhecidos. Ele era paciente, irritantemente persistente, caloroso, e quase nunca ficava com raiva. Ao menos, nunca ficou com raiva de mim.


Mas eu ainda me recusava a me aproximar do armazém e ver o Velho. O Girassol muitas vezes suspirava quando me via olhando naquela direção.


– Argo, – Ele aparentemente não tinha percebido minha cara de desgosto quando me deu esse nome. – Você ainda está com raiva?


Embora já o permitisse se sentar ao meu lado, eu ainda me desviava quando esse tentava me tocar, o que o fazia me lançar um olhar docemente tolerante. Ele riu:


– Eu quase morri de rir quando ouvi o que os vizinhos me contaram sobre os conflitos de vocês dois! – então ele suspirou – Você nem mesmo pisou perto do armazém de meu pai nesse mês.


Bem, e eu não pisaria.


Porque eu finalmente descobri o que me atormentava tanto.


No final, aquele Velho acabou se tornando importante, mas eu não fui o mesmo.


Então, Girassol tagarelava a meu contragosto:


– Sabe, você pode não acreditar, e ele pode até mesmo disfarçar, mas meu pai não está muito melhor que você -...– e eu, sempre quando o via vir com esse tipo de ladainha, soltava um som de advertência, ameaçando ir embora.


Girassol congelava na hora,
enquanto me perseguia rua a fora:

– Ok, ok, eu parei de falar dele, ok? Não vá!

Quando o Jovem percebeu que eu sairia sempre que tentasse me convencer sobre seu pai, ele arrumou algumas estratégias para passar esse tipo de informações, sem que eu notasse:


De forma "sutil", Girassol parecia ter o prazer de "reclamar" de seu pai - o que eu não me importava nem um pouco de ouvi-lo dizer, pelo contrário.


– Ele é um idiota cabeça dura, - Ele reclamava - Pai sempre acha que ninguém percebe, mas na verdade ele esconde o coração mole dele atrás daquele orgulho inútil.


Na minha defesa, em minha mente inocente, as palavras "ofensivas" já eram "reclamações" o suficiente.


– Argo, depois daquela noite, o bobo mal dormiu direito. - Nesse ponto, depois que ele descobriu o truque de xingar seu pai para me agradar, eu já o permitia me acariciar - Ele acha que eu não estou vendo, mas mesmo quando você parou de vir, ele ainda se senta naquela cadeira toda noite com um pau no colo. Ontem, ele usou a desculpa de limpar a frente da loja para ver se encontrava um cocô seu.


Eheheheheheh. Parecia merecido para aquele Velho. - Eu ronronava.


Entretanto, para a minha surpresa, cerca de sete noites depois, o Jovem Humano passou a vir com um familiar naco de carne todas as vezes.


Quando vi aquilo, foi como se algo que eu estivesse esperando por muito tempo, finalmente tivesse aparecido. O motivo pelo qual eu estava me remoendo por tanto tempo, e também o motivo pelo qual eu não queria que o Velho parasse de se remoer, como em todos os casos que Girassol vinha me contando nos últimos dias.


Ao ver minha surpresa, o Jovem sorriu:

– Na verdade, Argo, embora o Pai tenha me visto pegar o pedaço, ele não disse nada.


De repente, tudo passou. Todas as mágoas e todas as queixas, tal qual um estranho passe de mágica, - como uma das histórias que ouvia de minha Primeira Humana, há muito tempo atrás – se desfizeram como vaga-lumes.


Depois daquele dia, eu generosamente decidi que o Jovem não era mais irritante, e decidi voltar a vagar perto do armazém.


Se aquela carne foi um pedido silencioso de desculpas daquele Velho Rabugento e orgulhoso, o retorno de minha presença era a minha.


E realmente, tudo o que recebi do Velho, quando este me viu novamente deitado em cima de seu muro, foi um silencioso e rápido olhar, antes de este voltar para dentro da loja, me ameaçando que, embora seu filho tivesse me adotado, ele não seria misericordioso se eu roubasse seu valioso armazém novamente.


Foi mais que o suficiente para mim.


Continua...


Não se esqueça de deixar um comentário, e seguir nossas redes sociais:

Carmen Santos Autora do Bendita



35 visualizações4 comentários

Posts Relacionados

Ver tudo

4 Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
Dulce Bretas da Boa Ventura
Dulce Bretas da Boa Ventura
Apr 02, 2022

Estou amando essa história!E ansiosa pelo próximo capítulo.

Like
RUBIA ARCE Admin Blog
RUBIA ARCE Admin Blog
Apr 02, 2022
Replying to

Também estou, Dulce!! Não me aguento para saber o próximo capítulo! 😄😄

Like

Beth Bretas
Apr 02, 2022

Então,ele não afastou do armazém!Permaneceu de longe observando e avaliando tudo.Que interessante! Quando ele decidir ir embora,nada vai segurá-lo.

Namastê!

Like

Estética e EFT com Helenita Bretas
Estética e EFT com Helenita Bretas
Apr 02, 2022

Este gato é muito esperto!!❤️❤️

Like
bottom of page