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EU ME LEMBRO DE VOCÊ | CAPÍTULO VII - PARTE 13

Foto do escritor: DIDI ANDRADEDIDI ANDRADE
Um Tesouro em uma Árvore - PARTE 13

O dia estava nublado, como sempre esteve ultimamente. Era início da época do ano chuvosa, afinal, o céu sempre ficava carregado de grandes nuvens escuras e mal-humoradas.


Tempestades podem ser irritantes quando atingem seu pelo, mas, na minha opinião, ainda são um presente da vida. É isso que significam.



As chuvas anunciam o fim da falta de água e o fim da fome. É quando as plantas se tornavam verdes e vivas novamente, e as presas voltavam, quando os filhotes podem nascer e ter uma infância menos difícil.


As chuvas são sempre uma dádiva eterna.


Mas não tanto para os subúrbios humanos.


Ali, as chuvas até pareciam uma praga, com sinceridade. Faziam que a terra deslizasse, soterrando casas. Faziam que as estradas se transformassem em uma lama fétida e difícil de andar. Faziam humanos adoecerem.


Eles eram tão incompatíveis com o senso comum, ao ponto que transformavam tal presente em algo ruim?


Algo que me fez admirar profundamente essa espécie, foi sua capacidade de distorcer o mundo com suas estranhas construções.


Suas casas, construídas dos cadáveres de árvores derrubadas, das pedras do solo ou das montanhas, os defendiam do sol mortal das estiagens.


Suas colônias, armas e números os arrancaram da cadeia alimentar, eles não tinham mais predadores diretos.


Com a comida abundante, a sobrevivência de suas crias se tornava mais independente das estações generosas. Mesmo os animais e plantas que cultivavam em larga escala para consumo, não necessariamente dependiam das chuvas para prosperar.


Suas construções fazem o impossível.


São capazes de desviar rios, nivelar montanhas, matar uma floresta e construir selvas de rochas.


Então…


Meu olhar se desvia do céu trovejante, e se volta para Canarinho, sentado ao meu lado como uma presa morta.


…Se os humanos já fizeram coisas tão impossíveis, - se tinham inteligência ao ponto de poderem vencer uma briga apenas por circular a base dos dedos com auréolas, se eram tão bons que transformavam o presente das chuvas em algo ruim, - porque eles… Eu… duvidávamos tanto da possibilidade de… voar?


As coisas não tinham ido tão bem como eu tinha imaginado. O homem forte aceitou o dinheiro que Canarinho deu a muito contragosto, mas o desafiou a uma luta, afirmando que o deixaria em paz se Canarinho o vencesse.


Particularmente, eu achei uma excelente ideia. O que uma briga por território não resolve? Nada! Provar que você é o mais forte resolve absolutamente tudo!


É verdade que eu não me sentia tão promissor para com Canarinho, que, em comparação com o Homem Forte, parecia mais um graveto, mas eu ainda sentia que ele tinha uma chance.


Quer dizer, embora não fosse muito forte, Canarinho era muito inteligente quando estava sóbrio! Era só usar a cabeça! Claro que ele tinha uma chance…


Bem, ele tinha.


Até o Homem Forte enrolar algo entre os dedos e espancar Canarinho. Ele só parou quando interferi, saltando em sua cabeça e arranhando sua careca com todas as minhas forças.


O vento tinha ficado mais forte agora, balançava o capim seco com toda a sua força. Ao longe, além da música dos vendavais contra meus ouvidos, também havia o som dos trovões. Meu nariz já havia sido sufocado com o cheiro da chuva.


Depois que se levantou do espancamento, Canarinho nos trouxe ali.


Nem mesmo eu, quem vivia na cidade a tanto tempo, sabia da existência daquela campina meio seca.


Era pequena, nada além de algumas colinas de mato seco e algumas árvores velhas ao redor, sob a qual estávamos sentados.


– É o meu refúgio. - Ele murmurou como se soubesse o que eu queria perguntar.


Mio para ele.


É um bom refúgio.


No céu, passarinhos voavam, comemorando a chegada da estação… Nos vimos encarando-os.


Vi-me imaginando pulando alto o suficiente para capturar um e dar a Canarinho. Afinal, seu rosto estava tão inchado agora, que ele, definitivamente, precisaria de mais comida para se recuperar.


Quanto a Canarinho, ele os olhava com tanta saudade, que me perguntei se ele realmente queria comer um, tanto assim.


– Quando eu era muito jovem, na torre, - ele se viu murmurando - um dos poucos passatempos que tínhamos era capturar passarinhos. Era sempre sobre estudar e gravar textos velhos, então, era uma das poucas coisas divertidas que dava pra fazer escondido. - Ele arrancou uma folha velha de grama, torcendo-a entre os dedos - Cada um construía suas bugigangas malucas e vencia quem pegava mais.


Balanço minhas orelhas, isso sim parecia útil.


– A grande maioria dos meninos gostava de matá-los depois que os pegavam, mas eu me via… olhando suas asas.


– Miau. - Que desperdício, Canarinho.


Talvez ouvindo minha desaprovação em meu miado, ele riu baixinho.


– Não sei, acho que eu sempre fui louco desde essa época. Eu sempre…. Desejei voar, sabe? Acho que... – Ele para por um tempo - Acho que… eu desejava… voar-... sair, daquela torre? - Ele olha pra mim - Acho que eu sempre me senti muito sufocado…?


– Miau. - Como eu vou saber? A experiência não é sua?


Ele volta a olhar para os pássaros no céu, enquanto escalo a árvore, me esgueirando..


– Eu sou o segundo filho da casa, então, meu irmão mais velho herdou tudo. Acho que meus pais ficaram com pena de mim, desejavam um filho estudado ou queriam que eu focasse em outra coisa, então, me mandaram para aquela torre. - Ele coloca a folha seca na boca - Acho que começou quando eu olhava as crianças brincando nas ruas, lá de cima, e imaginava que tinha asas para chegar lá embaixo, como as pombas das janelas.


– Foi quando eu pensei que-... Bem, porque não? Todo mundo ali estudava alguma coisa e queria construir alguma coisa, porque eu não podia estudar os pássaros? Ou como voar? Então eu sonhava com isso. Pensava, e pesquisava, e calculava, e construía, e reconstruía, por anos e anos. Eu respirava o meu sonho….


– E, bem, aqui estou eu, espancado e emotivo, contando meus maiores traumas para um felino irritante. - Ele olha para mim de novo, para a copa da árvore - Ao menos eu saí daquela torre. Mesmo que seja como uma piada que vive da esmola do irmão… AH!!


Pulo da árvore, usando sua barriga como almofada de pouso.


– DROGA GATO, POR QUE VOC-... Sa-biá?


Coloco a ave recém caçada em seu peito.


– Miau. - Mesmo que eu ache um desperdício você só olhar as asas, aí está.


Ele encarava o passarinho, atordoado.


Quer dizer, é verdade que ele perdeu seu sonho, mas uma parte dele ainda não foi realizada. Ele saiu daquela torre.


Suas pupilas estavam dilatadas quando ele pegou o pássaro morto entre as mãos trêmulas.


– Você é um demônio? - Ele me pergunta, os olhos redondos como o sol, brilhavam como… raios. Como os raios que ficavam nas nuvens no céu.


Deito-me em sua barriga.


– miau. - não sei o que é um demônio, mas já me chamaram disso.


Então, canarinho gargalha.


Ele ria como um louco. Ao ponto de lágrimas escorrerem de seus olhos reluzentes como vaga-lumes.


– Sabiá, eu vou fazer uma loucura, e você vai me ajudar. - Ele sorriu para mim, cintilando como as chamas.


Apoio meu queixo em seu peito:


Contanto que você não suje mais o nosso ninho como antes.


Pela primeira vez, Canarinho acariciou minha cabeça. Fecho meus olhos.


– Eu vou provar... - Ele sorria - Nós vamos provar que todos eles estavam errados.



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2 Comments

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Guest
Sep 28, 2023

👏👏👏👏

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Guest
Sep 18, 2023

Relâmpagos,raios,trovões - uma tempestade desabou sobre a história...

Mas chuva é renovação.

Namastê!

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