top of page
Blogs.png
Buscar

EU ME LEMBRO DE VOCÊ CAPÍTULO XIII

Foto do escritor: DIDI ANDRADEDIDI ANDRADE

Havia um Tesouro sob aquela Árvore.


De todos os humanos que eu já tive, Canarinho, devo dizer que, de longe, você foi o que mais tive a graça da companhia, mesmo se comparar com a minha pequena senhora. Ao meu Canarinho Sonhador, desejo dizer que nunca, nunca, guardei qualquer mágoa.


Você foi como uma estrela, piscando na noite escura que, naquela época, tinha me tornado. Como as nuvens no céu, que você tanto desejava, você me ensinou a sonhar.


Você repintou as cores de um mundo que já tinha se tornado cinzento, cores que você nem mesmo tinha mais no seu. 


No fundo, eu me perguntava se talvez eu não as tivesse roubado, se você não estaria melhor sem mim, alguém que, por muito tempo, apesar de ter se arrependido depois, viu prazer na sua miséria.


Talvez, nem mesmo todas as risadas, os pássaros caçados, os desejos compartilhados, as carícias e as angústias tenham sido suficientes para tirar de mim essa culpa oculta e profunda.


Então digo que, no fundo, acho que achei justo. Achei merecido para mim como que, naquela tarde cinza e chuvosa, você tirou essas cores novamente.


Para você, para nós, eu dediquei toda a minha lealdade.


Com a música úmida do metal atingindo a terra, chovia, naquela tarde sem cor.


Um ser verdadeiramente desprezível, era a chuva. Ao menos, foi o que passei a achar, depois daquele dia, ela era tão desagradável quanto o peso que empurrava meus ombros para baixo. Empapava meu pelo, deixava tudo úmido e choroso, sufocava o som dos prantos compulsivos de Canarinho.


E ainda havia o som.


TUMP


Aquele maldito som, daquela maldita pá.


TUMP


Como eu odiei a chuva, era verdadeiramente como uma infeliz vizinha fofoqueira, regozijando-se nas piores horas. Ela estava lá quando eu perdi meu Velho Rabugento para sempre.


E estava agora, cantando com as batidas miseráveis de meu coração, sentindo que Canarinho também estava indo embora.


Canarinho, nem sei como ele conseguiu cavar naquela terra encharcada, fosse pela força física que ele não tinha, ou fossem pelas lágrimas que o cegavam, ou os soluços que o impediam de respirar direito.


Estávamos na campina que eu tanto amei antes, ele cavava em prantos sob as raízes da árvore que, um dia, dormíamos e comíamos piqueniques, nós três.


Foi um dia muito, muito triste.


Para nós, e para todos.


A cidade inteira estava enterrada sob um tule de luto.


Ao longe, já não havia mais uma Grande Torre Torta. Ela havia ruído.


Tudo tinha ruído.


E Canarinho também.


Ele não falou nada enquanto cavava, compulsivamente, talvez nem conseguisse. Estava empapado pela chuva, as roupas grudavam no corpo, ao seu lado, um baú pesado quase afundava na terra encharcada.


Era o seu tesouro mais precioso e o meu grande fardo.


Quando, finalmente, cavou até que um buraco das raízes da árvore fosse revelado, ele empurrou o baú com todas as forças que tinha lá para dentro, jogando terra por cima logo depois.


Ele parou ofegante depois que terminou, coberto de lama da cabeça aos pés, e lá ficamos, eu, silenciosamente ao seu lado, encarando a árvore.


Canarinho caiu de joelhos, aos prantos, novamente.


– Eu não queria… Não…. Eu nunca pensei…


Apesar de estar com ele todo esse tempo, apesar de poder jurar pelas minhas garras que já sabia quase tudo sobre esse meu humano, eu ainda era incapaz de entender totalmente aquilo que ele estava sentindo.


Eu nunca tinha feito o que ele fez.


Mas eu conhecia a dor de perder alguém amado.


Então, provavelmente por isso, achei justo que Canarinho pegasse de volta as cores com as quais tinha pintado meu mundo. Ele precisava delas, tanto quanto eu.


Mas eu sou apenas um gato.


– Você é o único que sabe sobre isso, Sabiá. - Murmurando, trêmulo, coisas ininteligíveis, Canarinho se ergueu. Tirando dos bolsos a chave que abria aqueles malditos baús, ele a amarrou, ao redor de meu pescoço. - O único que… - seus olhos marejam, ele sufocou um soluço - Me perdoe…


Nunca toquei em chaves, e já estava com o toque dessensibilizado pela chuva, mas me perguntei se elas eram verdadeiramente tão geladas.


– Só por um tempo… - Canarinho deu passos para trás - só enquanto eu me acalmo… - ele enxugou as lágrimas com força - Só cuide deles por um tempo… - Ele olhou no fundo dos meus olhos - Eu prometo que eu vou voltar.


E assim, meu mundo ficou cinza.


Canarinho foi embora, levando tudo o que eu tinha com ele.


E eu esperei.





Não se esqueça de deixar um comentário, e seguir nossas redes sociais:






13 visualizações4 comentários

Posts Relacionados

Ver tudo

4 Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
Jefferson Lima
Jefferson Lima
Aug 13, 2024

Belo e tristemente poético!

Like

Guest
Aug 11, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Tristeza , sensibilidade . Mas resiliência na narração

Like

Guest
Aug 10, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Que lindeza a sensibilidade de quem consegue falar sobre o trágico - o que tira a cor das coisas - de forma tão suave e bonita.

Namastê!

Like

Guest
Aug 10, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

👏👏👏👏👏👏👏❤️

Like
bottom of page