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IPOMEIA RUBRA

Foto do escritor: BETH BRETASBETH BRETAS

...porque é mês de Primavera!


E poder receber as flores em mundo pandêmico é, também, perceber que estamos vencendo a luta contra o vírus.


Uma luta não muito justa, pois vivemos dentro de um modelo capitalista, de visão globalizada – aquele em que vidas não importam.


E, em meio a tantas novas reflexões sobre as estruturas sociais que regem e comandam vidas, me lembrei que a nossa casa já teve um maravilhoso jardim.


Falar sobre isso é falar sobre momentos atropelados pelo cotidiano, pela vida corrida - que não nos deixam perceber os acontecimentos no tempo, em que eles estão presentes.


O tempo onde o magnífico se perde entre pensamentos limitados e coisas finitas.

“Na pressa, na correria, na distração, o mais profundo de você não se faz presente. E o exercício de assuntar o mundo e as pessoas e as memórias se coloca na escrita...”

Conceição Evaristo


Era período de muita chuva torrencial. Final de construção. Mudança para casa nova com um espaço enorme na frente, para um futuro jardim.


O que era para amanhã, ficou para hoje, pois a terra escorria e impedia a abertura do portão. Uma Flora foi contratada. O resultado, um lindo jardim...


Ao finalizar o serviço, o jardineiro pediu um pedaço de barbante, e na frente da casa, ao lado do portãozinho, esticou um fio, e nele enrolou um ramo de trepadeira.


Se naquele instante, ele comentasse que aquele raminho iria tomar conta da frente da casa, não acreditaria.


Porém, a passagem dos anos foi construindo uma maravilhosa trepadeira que abrilhantou o jardim.


A nossa IPOMEIA RUBRA que, na época da floração, era um delírio para os olhos. A flor maravilhosa ficava aberta durante o dia e fechava durante a noite.


Beija-flor a visitava, borboletas borboleteavam, abelhão zumbia em volta, e rolinhas e joaninhas...


E, durante a noite, cena cinematográfica, presença da Lua iluminando o jardim.


Os amigos pediam muda, e eu tirava fotos....


Um dia, não percebemos quando um intruso a visitou, fez morada e a sufocou.


Só fomos constatar, quando ela perdeu o vigor... Folhas sem brilho, uma florzinha aqui, outra ali.


Comunicamos com a Flora. O tratamento iniciou, mas ela não reagiu e continuou lentamente a morrer.


O jardineiro, quando veio aplicar a 3ª dose da medicação, insinuou que a dose era excessiva, mas tinha que obedecer a ordens.


Comentei:


—Se for para matá-la, não vou deixar aplicar mais remédio!


Ele recolheu parte do material, e foi embora.

Descobri, dias depois, ao retornar à Flora, para saber se terminariam o serviço, e pedir para recolherem o restante do material, que estavam proibidos de voltar. Como me informou a secretária.


Pois, o jardineiro havia relatado que eu impedi a aplicação, alegando que eles estavam matando a trepadeira por excesso de remédio.


O chefe ficou bravo, e se recusou a continuar a prestar serviço e, sem nenhum senso de amor à natureza, havia comentado:


—O que tem a trepadeira morrer?! Tudo morre, até nós morremos. Agora, se ela acha que estamos matando a trepadeira, então não vamos voltar.


Não voltaram. E eu não consegui fazê-los escutar minha versão.

Fico pensando, no hoje, como um homem que trabalha com a natureza, que faz sucesso como paisagista, e que possui o dom de criar maravilhosas ideias sobre jardins, não se sensibiliza com a morte de uma trepadeira, que se doa lindamente.


Será que ele não percebe a vida na natureza?


Ando pensando muito sobre a grandeza das forças e das belezas que estão nos seres, classificados pelo homem, de irracionais.


“Depois que comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo. E que as plantas sentem dor, que nem a gente.” - Caio Fernando Abreu


Durante uns dois anos, não tive coragem de retirar o esqueleto da trepadeira – um emaranhado de ramos secos, semelhante a vasos sanguíneos, que revelava o interior maravilhoso daquela planta – um raio x do pulmão, por onde passava, com certeza, a seiva.


Hoje, só existem fotos, e o sentimento de gratidão por aquela encantadora trepadeira, que durante muitos anos, transformou a nossa casa num lindo cartão postal.


“Dizem que as flores são todas as palavras que a terra diz.”

Fernando Pessoa


Seja bem-vinda, Primavera!


NAMASTÊ!




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JOANA D’ARC

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6 Comments

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Ana Carolina Bretas
Ana Carolina Bretas
Sep 19, 2021

nossa trepadeira representou bem o período em que viveu.


lembro de uma época feliz, cheia de expectativas e brilho. colorida assim como ela!

o mundo pode ser complexo e ter jardineiros insensíveis, mas a natureza sempre vai nos lembrar que ela é maior. Sempre haverão trepadeiras ♥️

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Coracy Martins
Sep 18, 2021

Ah!

Então tem mais gente que a chama de Beta?... Saudades...

Achei linda, a crônica...

Deu até vontade de empreender, no cuidado de uma plantinha dessas...

Ipomeia Rubra... Tem outras cores?...

Um grande abraço.

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Jane Aguiar Fernandes
Jane Aguiar Fernandes
Sep 14, 2021

Tenho absoluta certeza de que a natureza não é para qualquer ser humano. E essa tese é confirmada pelo seu texto, que é uma oração plena sobre ver, sentir, gostar, amar, proteger, enfim cuidar. Mais um texto poderoso, miga Beta!!!!

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Adriene Prado de Albuquerque
Sep 14, 2021

O verdadeiro profissiona ou profissional verdadeiro está naquele que sabe superar o ego.

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Estética e EFT com Helenita Bretas
Estética e EFT com Helenita Bretas
Sep 13, 2021

Ela foi durante anos, um cartão postal. Era linda!! O homem tem muito que aprender com a natureza!!

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