MOMENTOS COM O JOVEM JESUS

1ª PARTE

Era um mês de muitas manifestações populares e nenhuma que fosse considerada vilã. Era o ano de 2013.

Meu filho, muito jovem, corajoso e curioso, foi para a sua primeira manifestação de rua, inflamado pela ideia de poder participar de uma mega operação contra injustiças sociais.

Marcou encontro com amigos, 11h da manhã, na Praça Sete, centro de BH.

Fiquei temerosa e atenta, por volta das 16h, liguei para ter notícias e fiquei sabendo que os amigos não foram, mas ele havia conhecido outro grupo. Estava tudo bem.

Dezoito horas, volto a ligar e escuto:

- Mãe, daqui a pouco te ligo, estou resolvendo um problema.

Meu coração acelerou. Tempo passou. Voltei a ligar e recebi uma enxurrada de notícias preocupantes:

- Mãe, um amigo foi preso - abuso de autoridade - e estamos tentando localizar os pais. Ele foi levado pela polícia e estamos descendo para lá e não vamos sair enquanto os pais não chegarem.

Estou com o Jesus e o grupo dele. Já ligamos para os advogados que se disponibilizaram para atender, caso necessário, os manifestantes - eles estão vindo ao nosso encontro.

Estou com a mochila dele, escondemos a mochila para protegê-lo da polícia que podia armar para ele... Tivemos que agir rápido.

- PELO AMOR DE DEUS, FILHO! Você é de menor e nada pode fazer se a coisa complicar...

- MÃE, se coloca no lugar do nosso amigo, se fosse comigo e não tivesse ninguém por perto para me ajudar, como você se sentiria? Não podemos deixá-lo agora!

- TUDO BEM, FILHO. Mas não deixe de dar notícias, por favor!

Vinte e uma horas, volto a ligar.

- Mãe, até agora não conseguimos comunicar com os pais dele. Vamos permanecer aqui, pois ele está incomunicável. Os advogados do movimento já estão cuidando do caso.

- Filho, estou descendo! Vou ficar com vocês.

- NÃO PRECISA!

- EU VOU! Qualquer coisa que acontecer, você terá um adulto para responder por você.

Fui.

Ao me aproximar do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente - Barro Preto - vejo um grupo de jovens se afastando do local e, entre eles, meu filho.

Aproximo e sou apresentada:

- Você é a mãe deste menino?! Como ele nos ajudou! Você está de parabéns pelo filho que tem. Prazer, sou o Jesus.

E um jovem de cabelo comprido e barba, também comprida, me sorriu, estendendo a mão.

- Em que ponto se encontra a situação? – perguntei.

- Os pais estão a caminho e os advogados do movimento estão aqui. Podemos ir embora.

E me afastei para assistir ao grupo se despedir como se fossem velhos amigos.

Se abraçavam aliviados, enquanto faziam promessa de novo encontro.

"A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.”

Paulo Freire

Voltamos para casa com a mochila do garoto. No domingo, meu filho marcou encontro para devolver a mochila, na segunda-feira.

Marcaram em frente ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente - Barro Preto, por volta das 16h, onde os pais estariam com o filho e com um advogado.

Fui com ele e lá conheci o garoto e seus pais.

Meu filho recebeu muita manifestação de agradecimento e, naquele momento, eu e os pais do garoto partilhamos o sentimento de alívio por nossos filhos estarem ali, sem sequelas.

2ª PARTE

Semana seguinte, chega meu filho da escola:

- Mãe, vou almoçar e vou para a Câmara dos Deputados, onde meus amigos estão fazendo manifestações. Jesus está fazendo greve de fome, vi a foto dele no face, já perdeu peso demais. Vou conversar com ele.

- Não vou te impedir, mas vou com você!

- Não precisa!

- Vou ficar de longe, não atrapalharei. Mas vou! Estarei lá, independente de ir com você ou não.

- Você quem sabe!

Fomos.

Ao chegar, me afastei dele e fiquei observando o cenário. O local estava tomado por jovens e garrafas, copos, restos de lanches espalhados pela grama.

Meu filho entrou no prédio acompanhado por uma moça que veio recebê-lo.

Dei um tempo, e entrei num ambiente com moças e rapazes espalhados pelo chão. Música alta. Alguns dançando, outros convidando os seguranças para dançar.

Então, vejo uma rampa de acesso ao segundo piso. Meu filho estava próximo. Um jovem chegou na rampa e perguntou:

- QUEM QUER FALAR COM JESUS?

- EU! – meu filho levantou o braço.

- Ah! Você quer falar com Jesus! – e todos começaram a rir.

- Mas quem é você?

- Um amigo que precisa falar com ele. Diga que é...

O jovem se afastou e pouco depois, Jesus desceu a rampa. Magro e irreconhecível. Debruçou sobre o peitoril e pegou a mão do meu filho. Sorriu, com certeza, agradecendo a presença dele ali.

Fez gestos e expressões de quem sabia o que estava fazendo. Meu filho tirou do bolso o celular e lhe ofereceu. Ele recusou. Disse que estava bem, só precisava voltar para descansar.

Acenou um tchau e subiu amparado, enquanto os amigos gritavam:

- JESUS! JESUS! JESUS!

Meu filho retornou com expressão de “coitado do Jesus” e me surpreendeu ao dizer:

- Ele está fazendo bobagem, perdendo a saúde. Quando sair daqui desnutrido, será internado e nunca mais será o mesmo. Vamos embora, mãe.

E saímos dali em silêncio.

No dia seguinte, meu filho me diz:

- Mãe, vi hoje a notícia de que Jesus desocupou a Câmara dos Deputados. Saiu carregado, direto para o hospital...

Foram assim as primeiras experiências do meu filho em manifestações de rua.

Experiências que o fortaleceram, sem dúvida, e que não tiraram dele o sentimento de “luta em prol de igualdade social.”

“Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.”

Paulo Freire

Eleições 2022.

Nove anos se passaram. O mundo ficou mais complicado. O Brasil não foi salvo, passamos por pandemia, houve morte em massa... As manifestações foram substituídas por panelaços.

O Sistema Capitalista continua e a desigualdade social, absurdamente, permanece decorando viadutos, avenidas, ruas... por onde transitam os bem sucedidos.

NAMASTÊ!

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