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NATAL SEM JUSTIÇA COMUM

Foto do escritor: BETH BRETASBETH BRETAS
Caminhava pela orla da Pampulha quando, repentinamente, escutou:

- Perdeu! Perdeu! Perdeu!

Sentindo uma respiração muito próxima, levantou os braços e viu sua pochete, que estava atravessava no corpo, sendo retirada. A sacola com mantimentos caindo e uma voz de menino dizendo:

- A sacola não! Deixa a sacola com ela.


E, então, ela vê uma mãozinha recolher o que havia se espalhado, recolocar e devolver.


Depois a sombra de um corpinho saindo correndo atrás do companheiro que virou a esquina da orla.


Aquela atitude do garotinho substituiu todo o susto daquele momento e um sentimento indefinido se espalhou pela orla...


Rodopiando sobre o próprio corpo, ela tentou recuperar a direção em busca de um telefone público, para avisar sobre o acontecido e pedir bloqueio de cartão e celular.


Ao avistar uma viatura policial, acenou, eles pararam, fizeram a ocorrência...

Deu as características dos meninos e o que continha na pochete.


- Vamos dar uma volta na orla, qualquer coisa entraremos em contato...


Uma hora depois, a viatura interfona:


- Encontramos os meninos e recuperamos tudo da senhora. Vamos levá-la ao CIA – Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional - para reconhecimento e recuperação dos bens.


E ela mais assustada que antes:


- Vou ter que reconhecer os meninos? Vou estar com eles? Tenho mesmo que comparecer?


- Tem! Mas não vai ficar frente a frente com eles!


E ela acreditando, entrou na viatura com seu filho, de 15 anos.

No percurso, procurou saber a história dos garotos.


- Sargento, quem são eles?

- São meninos de família desajustada que vivem em abrigo. Um tem 16 anos e o outro 14, não sabem ler nem escrever.

- Eles são mais vítimas do que eu, então, abandonados se defendem como podem...


- São meninos que morrerão cedo nas mãos de bandidos. Não têm futuro, minha senhora!


- Sargento, não quero olhar para eles, principalmente, para o garotinho que me devolveu a sacola. Pelo tamanho dele, me pareceu ter, no máximo, 10 anos.


- São crianças que aparentam ser mais velhas ou mais novas...


Aquela conversa começou a fazê-la se arrepender de ter feito a ocorrência.


Chegando ao local, foi conduzida a uma sala com vários adolescentes considerados infratores. Os dois estavam sentados num cantinho, tranquilos.


O policial, com o olhar, os indicou. Ela os reconheceu na hora, mas se afastou, negando o reconhecimento.


O Sargento com sua experiência:


- A senhora não precisa reconhecer. Eles já são fichados e os seus pertences foram encontrados com eles. Apontou sobre a mesa as coisas recuperadas.


- O que vai acontecer com eles, agora?


- Vão ficar à disposição do juiz.


- Já são 14h, eles receberam algum lanche ou irão receber até o juiz encaminhá-los?


- Não se preocupe, senhora, a hora em que forem liberados, irão para um abrigo onde terão comida e cama quentinha. E quando forem para a rua, farão tudo de novo. É assim...


Nesse momento, ela com olhos fulminantes, meio que assustou o sargento:

- É ASSIM?! O senhor acha normal não assumir nenhuma responsabilidade sobre eles...Acha normal eles se alimentarem a hora que der?!...

E o sargento, meio sem entender a atitude dela, se sentindo agredido por aquela senhora que estava com seu problema resolvido...


Se afastou, a encarou e disse:


- Nada mais posso fazer além de devolver seus pertences. A SENHORA ESTÁ LIBERADA!


E sem dar a ela nenhuma chance de retórica, entrou por uma porta e desapareceu.


Ela, intimada, foi embora pensando, como mãe e professora que era:

Não adianta cuidar só dos nossos filhos. Não! Não!


Não neste mundo cheio de crianças abandonadas cruzando nossos caminhos!


Um dia, num determinado momento infeliz, nosso filho poderá se tornar vítima de um menor infrator, tão humano quanto ele, porém com a diferença de não ter sido cuidado, com a diferença de ninguém ter se responsabilizado por ele.


O Natal existe para essas crianças?

Se existe, que tipo de Natal essas crianças conhecem?

O da casa sem chaminé?


O da casa sem presentes e Árvore de Natal?


O Natal da caridade? Onde a criança ganha o que o outro acha que ela merece ganhar?


O Natal dos presentes descartados por outras crianças?


O Natal das cartinhas do Correio?


O Natal onde uma família recebe uma criança para passar a noite natalina e depois a devolve, sem nenhuma intenção de continuar se responsabilizando por ela?


O Natal em que escolhemos acalmar nossa consciência?


NÃO, SARGENTO, NÃO! NÃO PODE SER ASSIM!

Muito mais trágico foi para ela descobrir a forma como a sociedade rotula os meninos abandonados. Foi descobrir que é normal vê-los sendo mortos nas mãos de adultos bandidos.


Foi descobrir que é a sociedade que os coloca nas mãos desses bandidos - bandidos que um dia foram crianças também e que foram vistos como apenas marginais que mereciam morrer cedo.

E, para ela, com essa experiência, o sentido da expressão Justiça Comum, no dicionário, não encontrou mais significado na rua, a partir daquele dia.


Não encontrou significado para aqueles meninos abandonados – ausentes nas páginas da justiça que se diz comum.


Comum para quem? Para que classe social? Para que tipo de pessoa?

“Da periferia aos centros urbanos, do carro importado ao carro simples... dos jovens com realidades diferentes que dividem o mesmo mundo, mas que ao mesmo tempo pertencem a "mundos" completamente diferentes, com realidade cultural, étnica ou espacial demarcadas pelo desumano, pelo desigual, pela guerra, pela luta de classes... seria mesmo a natureza mãe o fruto de todas as desigualdades?

[...] não haveria nada para mudar essa realidade?” [...]

Léo Oliveira


Que um dia, todas as crianças do mundo possam estar nas páginas da Justiça Comum e ter um Feliz Natal!


NAMASTÊ!



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58 visualizações3 comentários

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3 Comments

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Carla Kirilos
Carla Kirilos
Dec 15, 2022

Se o espirito do Natal fosse mais real no coração das pessoas talvez estes meninos não estivessem nesta situação de vulnerabilidade. Temos que ter fé!

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Estética e EFT com Helenita Bretas
Estética e EFT com Helenita Bretas
Dec 01, 2022

Que um dia todas as crianças possam realmente ter um Natal feliz!

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Guest
Dec 01, 2022

Penso que o problema é normalizar as questões , deixando-as assim, invisíveis!!!! Isso não é Natal, né?!

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