OUSEI DIALOGAR

Se você pudesse conversar com seus sentimentos, o que diria?

Seria um diálogo amistoso, esclarecedor, ou uma conversa difícil, pesada e cansativa?

Um dia, ousei dialogar com uma das minhas dores, e foi uma longa e surpreendente conversa.

Foi minha primeira abordagem. Eu passava por um daqueles processos dolorosos da vida, e me deparei com um acontecimento que me tirou do prumo. Não menos que de repente, lá estava ela, enorme, materializada bem diante dos meus olhos. Nesse momento, percebi que nunca havia olhado para ela. Sempre me esquivando, fingindo não percebê-la.

Mas, não dessa vez. Encarei sua imagem com coragem, até que ela se formasse por inteiro, e o borrão se tornasse nítido aos meus olhos. Olhei-a fixamente, e seu olhar, imediatamente encontrou o meu - me surpreendi com a expressão que encontrei nele: algo entre cansaço profundo e tristeza.

No mesmo instante, desabei. Tentei desviar o olhar, como nas outras inúmeras vezes que o fiz... Mas, não consegui. Já não seria possível não olhar para aquela imagem, eu teria que confrontá-la.

- Olá. Você é quem eu penso que é? - perguntei com a voz trêmula.

- E quem você pensa que eu sou? – ela responde, sem mover um só músculo da face.

- Alguém com quem, ao que me parece, eu convivo há muito tempo. – eu disse sem desviar os olhos.

- Sim, parece-me possível que me conheça de longa data, apesar de nunca ter olhado para mim. – sua expressão se fez um pouco mais rude nesse momento.

O silêncio era profundo, como se o tempo houvesse parado para nos assistir, e não existisse mais nada além de mim e minha emoção materializada. Não se ouvia nem mesmo o meu respirar.

- Você é maior do que imaginei. – quebrei o silêncio.

- Costumo ser. Principalmente, quando sou alimentada por muito tempo, como acontece na maioria das vezes. – seu olhar fica triste, novamente.

- Como, “alimentada”? Quem, em sã consciência, alimentaria um sentimento tão triste como você? – perguntei como em um rompante.

- Ninguém... em sã consciência. – ela ironizou. - Alimentam-me quando me ignoram, quando se esforçam para não me ver. Com isso, em cada passo que dão, vou me tornando um peso maior, e tornando mais difícil a caminhada de quem me carrega.

- Sem dúvida... muito difícil. – olhei para o chão ao dizer.

- Se você só vê a dor, você não se vê. – ela conclui.

Ela começa a caminhar para o lado, com uma expressão pensativa, como se fosse me mostrar algo importante. E, de repente, como um filme, aparecem imagens da minha vida, memórias que eu tentei esquecer por tanto tempo. E ela diz, apontando para uma de minhas lembranças:

- Sabe esse momento aqui? Foi quando nasci.

- Mas, como? Eu ainda era tão pequena e tinha um coração tão aberto para a vida. – meus olhos se encheram de lágrimas.

- Sim, muito pequena, mas inteligente o suficiente para sentir.

E, durante algum tempo - não sei precisar quanto - ela foi me mostrando as imagens de todos os momentos em que tentei não lidar com ela. Todas as vezes que sentia aquela mesma sensação, e me desviava dela, ignorava e seguia em frente, me convencendo de que não precisava lidar com aquele sentimento. Vai passar - eu me dizia. Mas, principalmente, me mostrou todas as vezes que ela me atrapalhou, me impediu de seguir por caminhos que eram meus, pois estava pesado demais carrega-la. As vezes que desisti antes de tentar, que me sabotei, que não acreditei. Tudo porque não me dispus a olhá-la como deveria.

- Você é a Rejeição! – exclamei.

- Sim, sou eu. E venho todo esse tempo me apropriando da força que você me atribui, sem saber que o faz. – sua expressão já era mais suave.

- Eu tentei... tentei muito lutar contra você, e fracassei muitas vezes. – minha expressão era puro cansaço. - Sucumbi a essa dor que me faz sentir menor, toda vez que sinto. Agora, reconheço que fiz você crescer quando atribuí mais força a você do que realmente tem. Permiti que me fizessem desacreditar no meu próprio valor, quando alimentei em mim a crença de que eu nunca seria boa o suficiente. Eu sinto muito por isso. – fechei os olhos.

- Fazia. – ela diz com firmeza e ternura. – Dores são feitas para serem curadas. E, felizmente, cada cura traz um aprendizado valioso que, muitas vezes, só se percebe algum tempo depois.

Ela começa a caminhar em minha direção com o olhar sensivelmente enternecido e, surpreendentemente, vai diminuindo de tamanho a cada passo, até chegar bem próxima a mim, do tamanho de uma criança. Olha para mim com um belo sorriso no rosto, me abraça e diz:

- Seguimos juntas! Mas, a partir de agora, o meu nome será: EXPERIÊNCIA.

Dialoga com seus sentimentos. Diz a eles com gentileza o quanto se importa, e descansa.

Gratidão por ler até aqui!

Com amor.

Até a próxima!

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