PRAZO DE VALIDADE
Existem algumas expressões, particularmente quando relacionadas ao universo feminino, que me incomodam mais do que muitas outras, “prazo de validade” é uma delas. Na sociedade contemporânea, este conceito se estende a muitos aspectos da vida, especialmente quando se quer comentar sobre a beleza e o viço das mulheres. Desde cedo, somos bombardeadas com a ideia de que a juventude é um bem precioso, um ativo que, assim como produtos perecíveis, pode perder seu valor com o tempo. Essa crença não é apenas uma questão superficial; ela se manifesta em várias esferas, desde o mercado de trabalho até as relações pessoais. É como se, ao atingirmos uma certa idade, fôssemos relegadas a prateleiras empoeiradas, esquecidas em um canto, sem utilidade e, consequentemente, descartáveis.
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Mas, mulheres não são objetos, logo, não possuem prazo de validade. Somos seres complexos, subjetivos, indivíduos autônomos ou, no mínimo, deveríamos ser. Contudo, dada a estrutura patriarcal ainda tão enraizada em nossa sociedade, somos alçadas a um posto de COISA, que pode ser usada e descartada, e isso ao longo de toda nossa vida.
Esse pensamento leva à crítica do etarismo, um preconceito que marginaliza e desvaloriza pessoas mais velhas, especialmente mulheres. A ideia de que elas têm um "prazo de validade" impõe um peso desnecessário, criando barreiras que limitam o potencial feminino. Afinal, mulheres comem, dormem, têm olheiras, rugas, estrias e, pasmem, envelhecem.
Às vezes, olho no espelho e me pergunto: será que essa visão limitada e distorcida da feminilidade me afetou mais do que eu gostaria de admitir?
Seja no trabalho, na academia ou mesmo caminhando pela rua, sinto as expectativas pesadas que carregamos. Aos 20, esperam que sejamos belas e apaixonantes. Aos 30, que tenhamos uma carreira brilhante e uma família perfeita. Aos 40, que sejamos mestres do equilíbrio, segurando o mundo sem deixar nada cair. E, depois dos 50… Bem, parece que já não sabem o que esperar de nós. Mas e se o que realmente importa não é atender a essas expectativas?
Inspirada por uma frase de Salmos 92:14, "Na velhice ainda darão fruto; estarão viçosos e florescentes", fica claro que, na verdade, meu valor não está atrelado a um número ou a uma aparência, mas às experiências e aprendizados que acumulei ao longo da vida.
Sinto uma onda de inspiração ao lembrar de minha amiga Marta, que, aos 68 anos, começou a aprender violino. “Nunca é tarde para começar algo novo”, ela disse, e essa frase ressoou em meu coração. Não tenho um prazo de validade, e cada fase da vida traz sua própria beleza e força.
Sempre gosto de lembrar de quantas mulheres admiro. Tantas histórias de superação e reinvenção! Cada uma delas se recusa a ser colocada em uma prateleira, continua a se movimentar, a crescer, a se desafiar. E, ao pensar nelas, entendo que estamos todas conectadas nessa luta contra a narrativa que nos limita.
Murmuro para mim mesma: “Eu não sou um produto com prazo de validade.” Ao dizer isso, um sorriso surge em meu rosto. Sou como o café que gosto de tomar: quanto mais tempo passa, mais rico se torna o sabor, mais profunda a experiência.
Decido, então, que viverei cada fase da minha vida como se fosse a primeira, sem pressa de voltar atrás e sem medo de seguir adiante. Porque o que realmente importa não é o tempo que passou, mas o que fazemos com ele. E, nesse sentido, a mulher que sou agora, aos 65 anos, vale muito mais do que poderia imaginar aos 20 anos.
É um alívio, uma libertação! Deixo para trás o peso das expectativas e das normas impostas. Encontro conforto nas histórias de outras mulheres que, assim como eu, desafiaram os padrões e moldaram suas narrativas. As que se reinventaram, que, mesmo diante das adversidades, encontraram novos caminhos e se reergueram. Não estou sozinha nessa jornada; somos muitas, unidas por nossas experiências e lutas. O amor-próprio, a sabedoria adquirida e a coragem de continuar a buscar novos sonhos tornam-se meu combustível.
Enquanto caminho pela vida, percebo que cada ruga conta uma história, cada estria é uma lembrança de momentos vividos. Sorrio para o meu reflexo no espelho, não com a preocupação de parecer mais jovem, mas com a certeza de que cada fase traz um esplendor próprio. Curto me olhar no espelho e ver o tempo passando. E, assim, decido florescer onde estou, vivendo cada dia com gratidão e autenticidade. O que realmente importa não é a idade, mas a qualidade de vida que construí ao longo do tempo. Com um coração aberto e a mente livre de amarras, sigo em frente, sabendo que, apesar da minha vida terrena ter um prazo de validade, isto não é limitação para que eu sempre experimente um potencial infinito de renovação.
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É incrível a sua facilidade em colocar em palavras ideias que perpassam nossa mente e sentimentos. Adoro ler os seus textos! Clarisse
Belo texto com uma reflexão importantíssima! Enquanto houver sonhos e disposição para seguir em frente, ainda haverá frutos e sementes. Parabéns, Karla!
" Não somos objetos." E nem me deixaria ser. Estou na velhice. O que é a velhice? Já vivi todas as fases da vida. Confesso que a mellhor delas é a velhice. Quando você deita e não lembro mais de filhos. Os filhos vivem suas vidas e não dependem mais de mim. Pais, tios, marido, alguns irmâos já estão na eternidade e não precisam mais de mim. Quando volto no passado e vejo que valeu a pena viver. Tanta coisa boa fiz e sou reconhecida por isso: três livros publicados, meu sonho, meu prazer, amizades. Quando um filho ou neto diz: sou grato a Deus por você existir mãe ou vó. Quando um aluno diz: a melhor professora que tive,…
Que alegria ver um pouco da nossa boa conversa retratada no seu texto! Você também é uma inspiração para mim. Beijos, Marta
Carla, mais um texto para encantar. Incrível como você consegue transformar em palavras o que sentimos e pensamos. Célia Afonso