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VARRENDO ALMA NA RUA

Foto do escritor: BETH BRETASBETH BRETAS
Tudo acontecia numa rua simples e curta, onde ela varria a frente da casa.

E enquanto varria, compartilhava um Bom Dia! - com quem passava em frente ao seu portão.

Eram manhãs de um coração mergulhado em montes de folhas secas e sorridentes e cúmplices daqueles diálogos cheios de falta de juízo.

Um período em que um rapaz, perdido usuário de drogas, se agarrou à oportunidade de poder conversar e não ser julgado por alguém.

No momento em que ele se aproximava, ela parava de varrer, apoiava os braços na vassoura e ficava um longo tempo escutando e dando conselhos.

Até que virou rotina a presença deles, naquela rua, durante aquelas manhãs imersas em intimidade crescente.

Ele passou a paquerá-la, jogando indiretas, dizendo que a vida iria melhorar se arrumasse uma companheira...

Até o dia em que foi mais direto:

- Você quer casar comigo?

Ela sorriu e respondeu:

- Cria juízo!

- Mas seria tão bom para nós dois! Você sabe que amo meus filhos, mas devido a minha situação, o juiz nunca vai me conceder a guarda. E agora, que a mãe deles foi assassinada, estão com a tia, mas eu queria muito cuidar deles.

- Vi a notícia de mais um feminicídio. Quando mostraram a foto e era ela, eu não acreditei! Tão jovem e tão bacana. Nossa! Ela saiu daqui para morrer em São Paulo...

- Eu não consegui oferecer segurança para ela que cansou e foi embora...

- Você já procurou por ajuda?

- Já! Aquele dia que você me viu com mala, eu estava chegando do internato. É muito difícil sair desta vida, depois que você entra.

- Mas nem pensando em seus filhos?

- Não! Porque o pior de tudo é que eu gosto.

- Que tipo de droga usa?

- Tudo que você pensar! Não consigo mais sair disso! E também, com esta minha doença, este corpo cada vez mais curvado, que mulher vai querer casar comigo?

- Pensa em seus filhos! O quanto eles precisam de você!

- ENTÃO, CASA COMIGO!

- Cria juízo!

E era assim que conversas longas aconteciam, quando ela abria o portão para varrer a rua.

Naqueles momentos que eram uma verdadeira sessão de terapia para aquele rapaz que encontrou nela, alguém com quem pudesse compartilhar sua impotência e a sua sensação de fracasso.

Porque, para ele, a vida parecia tão serena naquele coração varrendo flores na rua!

- Por que você ficou assim?

Me lembro de você adolescente apaixonado pela filha de fulana. Era tão fofo ver, toda manhã, você em frente à grade, chamando por ela e ela vindo toda sorridente.

- Ela foi meu amor. Nós nos amávamos. Mas os pais dela não me aceitavam. E aí eles mudaram e nunca mais a vi.

- Nunca mais a procurou?!

E com um olhar insinuante:

- Ninguém me quer!

Ela sorrindo, respondia:

- Cria juízo!

- Mas foi melhor para ela, olha como me transformei num homem doente...

Eram manhãs terapêuticas assim, para aquele rapaz que atravessava a rua e vinha ao encontro do aconchego, daquele coração que iniciava o dia, varrendo a rua.


“Ninguém entende, não me olhe assim

Com este semblante de bom samaritano

Cumprindo o seu dever...

[...]

Você não sabe e não entende

Quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito.”

Música Clarisse / Renato Russo


NAMASTÊ!


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Carmen Santos Autora do Bendita

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4 Comments

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Guest
Jul 07, 2022

Seu texto é lindo.Torço para que um dia ele vença essa doença,encontre Deus é seja feliz.

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Guest
Jul 04, 2022

Droga.Que pena!Havia me esquecido que um dia fui pedida em casamento.

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Estética e EFT com Helenita Bretas
Estética e EFT com Helenita Bretas
Jul 04, 2022

Acho que se ele pudesse ainda estaria pedindo ela em casamento.

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Guest
Jul 03, 2022

Impactante, Miga! "Cria juízo!!" De Jane Aguiar

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